Merenda escolar: a brecha que a periferia queria para acessar 30% do orçamento público

As compras governamentais representam 30% dos orçamentos públicos globalmente, mas poucos fornecedores disputam contratos que podem redefinir trajetórias empresariais. O setor de alimentação escolar exemplifica como essa concentração cria janelas de oportunidade para a periferia.

O mercado global de merenda escolar movimenta US$ 84 bilhões anuais, atendendo 466 milhões de crianças. No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) serve mais de 50 milhões de refeições diárias durante o ano letivo. Para a economista italiana Mariana Mazzucato, conhecida por sua pesquisa sobre a inovação e o papel do Estado na economia, o fornecimento de refeições para estudantes representa uma oportunidade para pequenos produtores e empreendedores periféricos.

A chave está na arquitetura dos contratos. O PNAE exige que pelo menos 30% dos recursos sejam destinados a agricultores familiares. Essa cota compulsória criou mercado para pequenos produtores e demonstra como políticas podem moldar mercados.

“Compras governamentais representam frequentemente 30% dos orçamentos públicos. É uma alavanca fundamental, assim como os bancos públicos, para ajudar a inclinar a economia em direção a um rumo mais inclusivo e sustentável – mas apenas se fizermos isso de forma estratégica”, disse Mazzucato.

Em artigo, a economista cita o exemplo da Escócia, onde o programa de £238 milhões anuais opera descentralizado em 32 conselhos locais. Cada unidade gerencia seu próprio departamento de compras, multiplicando oportunidades de entrada para fornecedores regionais.

O modelo “mission-oriented”, conceito criado por Mazzucato em seus trabalhos acadêmicos, transforma demanda social em oportunidade de negócio. Governos buscam soluções que entreguem valor público: refeições saudáveis, práticas sustentáveis e inclusão de produtores locais.

Para a economista, a mudança de paradigma é fundamental: “Isso representaria uma mudança geral de política em direção ao uso de compras públicas para direcionar o comportamento do setor privado para objetivos públicos”, afirma. Dessa forma, em vez de “consertar mercados” desbalanceados, os governos passam amoldar mercados de forma proativa, multiplicando os benefícios sociais.

O PNAE brasileiro evoluiu significativamente desde 1955. Hoje opera de forma descentralizada, mas mantém exigências nacionais que garantem participação de agricultores familiares e adoção de práticas sustentáveis.

Compras públicas não são nicho. São alavanca econômica que pode transformar as estruturas de mercado locais.

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