Na Ilha do Combu, em Belém (PA), o empreendedorismo feminino navega junto com o turismo sustentável. Sabores, cores e saberes da cultura ribeirinha tornaram-se ferramentas para um grupo de 20 mulheres fortalecer sua renda e sua autonomia.
Rosimeyre Silva, moradora da ilha há 43 anos, relembra que tudo começou de forma espontânea: uma pequena praia surgiu em frente à sua casa, e ela passou a oferecer café da manhã para os praticantes de canoagem que paravam ali para descansar.
O sucesso da iniciativa levou à construção da Casa do Remador, um espaço que hoje acolhe os canoeiros e também abriga os produtos de outras mulheres empreendedoras da ilha.
Segundo Rosimeyre, as moradoras ainda enfrentam desafios importantes, principalmente em relação à capacitação e à comercialização dos produtos, que são frutos do conhecimento tradicional e da biodiversidade local.
Para mudar esse cenário, ela, junto com outra parceira da comunidade, criou a Rede de Mulheres Beira Rio do Combu. A iniciativa reúne mensalmente moradoras da ilha para realizar uma feira voltada aos praticantes de canoagem e visitantes, promovendo a venda de alimentos caseiros, artesanatos e produtos naturais, como óleos e sabonetes.
“As mulheres da beira do rio têm o conhecimento, mas ainda não têm o empreendimento. Elas sabem fazer andiroba, pão caseiro, artesanato, mas isso não é comercializado nem valorizado. Por isso, escolhemos uma data e todas podem expor seus produtos na feira”, conta Rosimeyre.
Esse modelo de turismo sustentável ganha relevância quando observamos que um dos grupos de canoagem que frequentam a Casa do Remador é o Rio & Mar Va’a. Para Vitória Nunes, gestora do clube, a prática da canoagem vai muito além do esporte:
“A canoagem, por si só, já é um esporte ancestral e uma prática ecológica, que fortalece a conexão com a natureza. Quando associada ao turismo sustentável e à valorização das tradições locais, seu impacto é ainda maior. Manter a cultura viva é garantir a continuidade da vida de um povo”, destaca.
A iniciativa se insere em um contexto nacional de exclusão financeira: segundo o Banco Central do Brasil, 26% da população adulta no país não tem acesso a crédito formal. Para o professor da Universidade da Amazônia e pesquisador em economia solidária, João Cláudio Arroyo, iniciativas como a Rede de Mulheres Beira Rio são fundamentais para ampliar a inclusão econômica:
“As redes de mulheres cumprem um papel especial, especialmente em territórios ribeirinhos. Elas entendem que nenhuma atividade econômica vale a pena se não melhorar a qualidade de vida dos filhos, dos vizinhos, da comunidade como um todo”, afirma o pesquisador.
Nesse contexto, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua/IBGE) mostram que cerca de 43% dos empreendedores brasileiros eram mulheres em 2019. Para Arroyo, as mulheres têm papel central na construção de um novo modelo de desenvolvimento:
“Elas contribuem de forma especial para uma economia mais sustentável e includente, desde a base, com foco na educação, no bem-estar e na geração de riqueza local. As mulheres geralmente têm mais habilidades de articulação comunitária e familiar, e essa inteligência é essencial para um novo modelo de economia”, completa.
Como resultado dessa articulação, a história de Rosimeyre e da Rede de Mulheres Beira Rio mostra que a Ilha do Combu vai muito além dos restaurantes flutuantes e das marinas privativas. Ela revela que é possível unir empreendedorismo, sustentabilidade e identidade cultural, com as mulheres ribeirinhas como protagonistas de uma Amazônia mais justa e resiliente.