O maior desafio econômico do século acaba de ganhar contornos financeiros concretos. A transição energética justa, defendida pelo Brasil e mais 16 países na ONU, movimentará US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para proteger os 3,6 bilhões de pessoas que vivem em áreas altamente vulneráveis às mudanças climáticas.
Uma carta conjunta assinada pelo Brasil e mais 16 países, entre eles Austrália, Canadá, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos, África do Sul e emergentes como Bangladesh e Quênia, instituiu o Fórum Global de Transições Energéticas para coordenar governos, bancos, empresas e instituições internacionais. O documento estabelece meta de instalar 11 terawatts de capacidade renovável até 2030 – triplicando a base global atual de 3,4 terawatts – e dobrar a eficiência energética no mesmo período, além de reformar a arquitetura financeira mundial para viabilizar investimentos em países em desenvolvimento.
Os números revelam a dimensão do problema: as mudanças climáticas já aumentaram a desigualdade global em 25%, segundo dados da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Os países mais pobres se tornaram 17% a 30% mais pobres devido ao aquecimento global, enquanto nações desenvolvidas mantiveram trajetórias de crescimento inalteradas.
Pobreza e clima criam ciclo vicioso bilionário
Os dados quantificam como vulnerabilidade climática e pobreza se retroalimentam. Entre 32 e 132 milhões de pessoas serão empurradas para extrema pobreza até 2030 apenas pelos impactos climáticos. As taxas de mortalidade por eventos extremos são 15 vezes maiores em regiões vulneráveis.
A injustiça é matemática: os 50% mais pobres da população global produzem apenas 10-12% das emissões, mas enfrentam os maiores impactos.”Precisamos iniciar o planejamento de forma justa para o fim do desmatamento e o fim dos combustíveis fósseis”, afirmou a ministra do Meio Ambiente brasileira, Marina Silva. A fala reflete posicionamento estratégico: o Brasil possui biodiversidade e matriz energética renovável, vantagens competitivas em mercados que exigem práticas sustentáveis.
Arquitetura financeira global precisa de reforma
O Fórum Global de Transições Energéticas buscará reformar a arquitetura financeira mundial. O desafio é viabilizar investimentos em países que gastam 40-60% da renda com alimentos, tornando-os vulneráveis a choques climáticos.
A COP29 definiu que países desenvolvidos fornecerão pelo menos US$ 300 bilhões anuais até 2035 aos países em desenvolvimento. O montante representa apenas o piso. A meta real chega a US$ 1,3 trilhão anuais em 2035, sinalizando que o mercado de transição energética será o maior da próxima década.
Estados extremamente frágeis recebem apenas US$ 2 per capita anuais em financiamento climático, contra US$ 161 per capita em estados não-frágeis. Essa disparidade garante que populações com maior risco climático recebam menor proteção, perpetuando ciclos de vulnerabilidade.
Oposição de “poderosos” cria riscos geopolíticos
Marina Silva alertou que “poderosos” se opõem aos esforços de transição energética. O retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, com saída do Acordo de Paris e autorização para exploração ilimitada de petróleo, exemplifica resistências que podem fragmentar mercados.
As big techs americanas, entretanto, prometem investimentos domésticos, sinalizando que mesmo com mudanças políticas, o setor privado reconhece oportunidades na transição energética. A fragmentação geopolítica pode acelerar desenvolvimento de cadeias regionais de energia limpa.
Para o Brasil, a COP30 em Belém representa oportunidade de consolidar liderança neste mercado trilionário. Com vantagens em biodiversidade e energia renovável, o país pode transformar vulnerabilidade climática em vantagem competitiva.