As favelas podem produzir o próprio alimento. É o que pretende o projeto Favela Agro, anunciado pelo empresário Carlos Favoreto, CEO da ECP, empresa de soluções ambientais. A ideia é implementar nas comunidades do Rio de Janeiro um modelo de cadeia produtiva completa: hortas em lajes e áreas livres, tanques de peixe fornecendo água adubada para irrigação, agroindústrias processando compotas e laticínios, além de unidades de transformação de óleo residual em sabão.
A iniciativa chega no momento em que o mercado global de agricultura urbana movimenta US$ 172 bilhões, com projeção de US$ 312 bilhões até 2033 e crescimento anual de 7,7%, segundo estudos de consultorias de mercado como IndustryARC e Business Research Insights. A agricultura urbana deixou de ser alternativa para virar negócio consolidado.
Dados da FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura, indicam que o setor alimenta diretamente 800 milhões de pessoas no mundo e já é praticado comercialmente em mais de 130 países.
No Brasil, o Favela Agro surge como modelo de integração vertical dentro das próprias comunidades. Favoreto desenha o modelo completo: hortas produzindo hortaliças em áreas livres e telhados, tanques de peixe fornecendo água já adubada para irrigação, agroindústrias processando compotas e laticínios, além de transformação de óleo residual em sabão.
“Na última horta que fizemos, além de olericulturas, colocamos peixe junto. Toda irrigação já vinha adubada dos tanques”, explica Favoreto, que coordenou a implementação de 47 hortas no Rio de Janeiro através do projeto Hortas Cariocas, eleito em 2019 como o maior projeto de agricultura urbana sustentável do planeta em concurso com 300 iniciativas mundiais.
Holanda prova viabilidade econômica do modelo
A referência vem da Holanda, segundo maior exportador mundial de alimentos com €123,8 bilhões em 2023, conforme o Statistics Netherlands, instituto oficial de estatística do governo holandês. Segundo dados oficiais do país, a Holanda possui 9.300 hectares de estufas de alta tecnologia onde 80% da terra cultivada está sob vidro. “A Holanda é o segundo maior produtor de alimentos do mundo com base nesse processo de hortas urbanas e periurbanas”, destaca Favoreto.
O mercado brasileiro de agricultura urbana encontra terreno fértil nas periferias. A região Ásia-Pacífico lidera o crescimento global com taxa anual entre 6,5% e 18,2%, segundo a IndustryARC, mas a América Latina apresenta participação populacional superior, com 30-40% das famílias urbanas envolvidas em alguma atividade agrícola, de acordo com estudos da FAO.
Tecnologias específicas dominam o setor. Relatórios da Grand View Research, consultoria americana de inteligência de mercado, mostram que a hidroponia representa 58,3% do mercado global, com projeção de crescimento de US$ 5 bilhões para US$ 10,98 bilhões até 2030. Sistemas de aquaponia, que combinam produção de peixes e vegetais, devem saltar de US$ 1,087 bilhão para US$ 2,29 bilhões no mesmo período, usando 90% menos água que agricultura tradicional.
Produtividade supera agricultura tradicional em 20 vezes
Sistemas verticais urbanos produzem 97,3 kg por metro quadrado, contra 3,3 kg por metro quadrado no campo, segundo pesquisa da University of Surrey, na Inglaterra. Fazendas verticais com ambiente controlado geram 516 vezes mais toneladas de alimentos por hectare que fazendas tradicionais, com economia de 70-95% de água e a possibilidade de eliminação completa de pesticidas.
O modelo do Favela Agro também propõe a integração com agroindústrias locais. “A gente pode colocar agroindústria dentro das comunidades suprindo com compotas, insumos, laticínios. Além do reaproveitamento de resíduos, como a transformação de ácidos graxos em sabão”, detalha Favoreto.
Para empreendedores periféricos, o setor oferece múltiplas portas de entrada. Investimentos globais em AgTech totalizaram US$ 16 bilhões em 2024, segundo levantamento da AgFunderNews e Agriculture Dive, publicações especializadas em tecnologia agrícola. O mercado especializa-se em folhosos verdes, que representam 41,5% da receita do setor, além de frutas pequenas como morangos e produtos de alto valor agregado como ervas aromáticas.
Brasil lidera cinturão tropical que alimentará o planeta
Favoreto destaca que os países do chamado cinturão tropical, conjunto de 74 nações entre os trópicos de Câncer e Capricórnio, são os países que vão alimentar o planeta nos próximos 50 anos. “O Brasil é líder desses países”, disse o empresário, destacando que países africanos precisam especialmente do conhecimento brasileiro em agricultura tropical.
Com uma pessoa a cada 11 passando fome aguda no mundo, segundo dados da FAO, a agricultura urbana emerge como solução econômica e social. O Favela Agro representa a evolução do modelo: não apenas produção, mas cadeia completa dentro da comunidade. Com agricultura vertical crescendo 20,9% ao ano e robótica agrícola expandindo 25,7% anualmente no mundo, empreendedores periféricos podem acessar tecnologias antes restritas ao agronegócio tradicional.