No futebol, a África reencontra o jogo que o Brasil perdeu

O futebol sempre foi mais do que um jogo — é um espelho das desigualdades, da identidade e das contradições do mundo.

Por décadas, a Europa dominou o futebol mundial, muitas vezes graças ao talento vindo da África. Basta olhar para as grandes seleções: França, Inglaterra, Bélgica, Portugal — todas repletas de jogadores descendentes de imigrantes africanos ou nascidos em ex-colônias. São histórias de superação que começam longe dos holofotes, mas terminam nos maiores palcos do planeta.

Enquanto isso, as seleções africanas travam um jogo muito mais difícil fora das quatro linhas: falta de investimento, má gestão e ausência de políticas públicas esportivas. O resultado sempre foi um paradoxo doloroso — a Europa vence com a força da África, e a África segue tentando vencer com o pouco que tem.

Mas algo começa a mudar.

A classificação inédita de Cabo Verde para uma grande competição internacional mostra que o continente está encontrando novos caminhos. Pequeno, com recursos limitados, mas cheio de talento e identidade, o país é símbolo de uma nova fase do futebol africano — uma fase em que organização, pertencimento e fé no talento local começam a superar a dependência estrutural.

Marrocos, Senegal e Nigéria também seguem esse movimento: criam centros de formação, investem em técnicos locais e acreditam no próprio potencial. Enquanto isso, o Brasil vive um momento de contradição.
Historicamente conhecido pela criatividade e pela ginga que encantaram o mundo, o país parece hoje mais distante das suas origens populares no futebol.

A exportação precoce de jovens talentos, a desigualdade entre clubes e a falta de investimento na base e na estrutura comunitária criam um cenário em que a força das periferias — berço do futebol brasileiro — tem sido esquecida. Não é que o Brasil tenha se perdido, mas sim que precisa se reconectar.

Assim como alguns países africanos estão redescobrindo o poder da própria identidade, o Brasil também tem o desafio de relembrar de onde vem sua genialidade — e o quanto ela sempre nasceu da rua, da favela, do improviso, da resistência.

O futuro do futebol talvez pertença àqueles que, mesmo com pouco, jogam com tudo o que são.

E nisso, África e Brasil ainda têm muito em comum — e muito a aprender um com o outro.

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