Na Matemática, potência, a grosso modo, trata-se da multiplicação da base por seu expoente. Na eletricidade, fala-se em conversão de energia. Na Favela, Celso Athayde afirma que não há carência — há potência. Nessas analogias, é como se uma pessoa desprovida de tudo, inconformada com essa condição e cansada de ser massa de manobra, decidisse lutar. Ou seja, transformasse essa “carência” em energia, para transformar a base e gerar expoentes que a multiplicam. Assim surgem os contrariadores das estatísticas, sabotadores do sistema, pessoas de todos os gêneros que ampliam o caminho aberto pela ancestralidade para as novas gerações.
A Favela não venceu, mas as faveladas e os favelados estão nas universidades, criando seus negócios, voando alto — apesar dos pesares. Estamos reescrevendo nossas histórias, buscando honrar a trajetória de quem veio antes de nós, seguindo em frente e enfrentando o que for preciso para deixar um legado para quem vier depois, frustrando os planos dos que tentam, todos os dias, exterminar física, emocional e economicamente a nossa gente.
“O dinheiro tira o homem da miséria, mas não pode arrancar de dentro dele a Favela.
São poucos que entram em campo pra vencer,
A alma guarda o que a mente tenta esquecer…”
Negro Drama – Racionais MC’s
Na década de 1990, o maior letramento racial e socioeconômico da Favela foi feito pelos Racionais MC’s — na ausência de livros que contassem a História do nosso ponto de vista, de autores e autoras que tivessem a nossa cor e a nossa realidade. Faltavam referências nos meios de comunicação, na televisão, na publicidade, na moda. As escolas refletiam esse projeto: pretos e favelados deveriam estudar para serem subalternos. Mesmo com as mães dizendo que precisaríamos estudar para sermos “duas vezes melhores”, a pergunta segue atual: “Como ser duas vezes melhor se estamos cem vezes atrasados?”
Aprendemos que a cor da pele não isenta o preto — sobretudo a mulher preta — de sofrer racismo, seja no ambiente de trabalho, como no caso da ministra do Tribunal Superior Eleitoral, Vera Lúcia, seja em condomínios de luxo, como no caso do MC Poze. O racismo estrutural é um projeto que perdura desde a colonização, desmerecendo o povo preto e os povos originários, em detrimento dos seus conhecimentos — que muito contribuíram para o desenvolvimento do Brasil enquanto nação.
Felizmente, nosso plano de potencializar segue avançando. Mesmo que numa velocidade menor do que a desejada, a direção aponta para as próximas décadas com mais ocupações em lugares estratégicos — ainda que sob o risco de retrocessos de governos alinhados ao pensamento colonialista.
Temos assistido a mudanças nos mesmos setores que sancionaram o projeto de racismo estrutural. Na televisão, as novelas da Rede Globo têm aumentado o número de atores e atrizes pretos em seu elenco e, de forma inédita, dado protagonismo a esses personagens. Por se tratar ainda da maior audiência da TV aberta no Brasil, o conteúdo e a forma como é apresentado influenciam diretamente o modo como a vida imita a arte no dia a dia. Mesmo com o advento da internet — que trouxe novas vozes, mas também a disseminação de fake news — a TV segue parte indissociável da cultura brasileira.
Por fim, a meta é seguir potencializando, ocupando cada espaço de decisão e influência — para além dos esportes. Agora, nas universidades, precisamos de CEOs, de representatividade nos governos, no Executivo, Legislativo e Judiciário, na medicina. Nas escolas públicas, ao menos na cidade do Rio de Janeiro, o corpo docente e de direção é majoritariamente formado por mulheres pretas — uma conquista simbólica e concreta. Com a criação da GERER (Gerência de Relações Étnico-Raciais), da Secretaria Municipal de Educação do Rio, e a propagação das Afrotecas — salas de leitura com ênfase na literatura preta —, aponta-se para futuras gerações influenciadas por escritores e escritoras que as façam se reconhecer no espelho.
Sem tapar o sol com a peneira, é essencial democratizar o acesso ao conhecimento produzido por quem vive a Favela. Um exemplo é Otávio Júnior, morador do Complexo da Penha, autor de Da Minha Janela, obra lida em escolas e que desperta nas crianças a imaginação sobre o lugar onde vivem.
Binho Cultura é escritor, cientista social e morador da Vila Aliança, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.