Juventude das periferias brasileiras quebra histórico de analfabetismo, mas continua à margem do mercado formal
A Geração Z das favelas brasileiras escreve uma história contraditória. Eles são os jovens com menor índice de analfabetismo da história dessas comunidades e mais da metade possui ensino médio completo ou superior. Ainda assim, três em cada dez estão fora do mercado formal de trabalho, e o empreendedorismo por necessidade se tornou a principal alternativa para escapar da falta de oportunidades. É o paradoxo de uma geração mais preparada, mas menos empregada.
O levantamento, realizado pelo Data Favela, o primeiro instituto de pesquisa especializado na economia das favelas brasileiras, traça um retrato geracional que expõe as contradições do desenvolvimento educacional brasileiro. Enquanto o país celebra avanços na escolarização, as favelas vivem um descompasso entre formação e inserção profissional que desafia as narrativas tradicionais sobre educação como motor de mobilidade social.
Revolução silenciosa nos bancos escolares
Os números revelam uma transformação educacional silenciosa, mas contundente. Entre os Baby Boomers das favelas, 71% tinham baixa escolaridade (sem instrução ou fundamental incompleto). Na Geração Z, esse índice despencou para 20% – uma redução de 51 pontos percentuais em quatro décadas.
A proporção de jovens com ensino médio completo ou mais saltou de apenas 7% entre os Baby Boomers para 53% na Geração Z. É um crescimento de 46 pontos percentuais que coloca a juventude das favelas em patamar educacional superior ao de seus avós e pais.
No ensino superior, a evolução é mais modesta, mas significativa. Enquanto apenas 4% dos Baby Boomers chegaram à universidade, entre os jovens da Geração Z esse percentual sobe para 9% – mais que o dobro das gerações anteriores, ainda que com sinais de estagnação em relação aos Millennials.
O emprego que não chega
Paradoxalmente, a geração mais escolarizada é também a que mais enfrenta obstáculos no mercado de trabalho. O desemprego atinge mais duramente os jovens: 14% da Geração Z está fora do mercado de trabalho, contra 13% dos Millennials e 7% da Geração X. É um indicador de vulnerabilidade que persiste mesmo diante do avanço educacional.
Apenas 30% dos jovens da Geração Z conseguem emprego com carteira assinada. O restante se divide entre informalidade (12%), desemprego (14%) e empreendedorismo por necessidade (26%). Entre os Millennials, 26% têm carteira assinada; na Geração X, apenas 9%. O dado sugere que, mesmo com maior escolaridade, o acesso ao mercado formal não acompanha o ritmo da qualificação educacional.
Empreender para sobreviver
A saída encontrada por muitos jovens tem nome: empreendedorismo por necessidade. Um quarto da Geração Z (26%) vive de negócios próprios, proporção similar à dos Millennials (27%). Contudo, apenas 31% desses jovens empreendedores possuem CNPJ ou MEI – 69% operam na informalidade total.
Essa realidade reflete menos uma escolha estratégica de carreira e mais uma adaptação à falta de alternativas. A pesquisa mostra que 38% dos jovens concordam totalmente que “é mais fácil melhorar de vida empreendendo do que com carteira assinada” – uma percepção compartilhada por todas as gerações.
A crítica ao trabalho formal também é generalizada. Entre os jovens da Geração Z, 38% concordam que “o trabalho CLT oferece pouca flexibilidade”, percentual que se mantém estável entre todas as faixas etárias. A rigidez do mercado formal é vista como obstáculo especialmente para mães solo, estudantes e trabalhadores com múltiplas fontes de renda.
O descompasso entre formação e mercado
O cenário expõe um descompasso estrutural entre o avanço educacional das favelas e a capacidade de absorção do mercado de trabalho. A juventude das periferias conquistou níveis de escolaridade historicamente inéditos, mas encontra um mercado formal que ainda a marginaliza.
O empreendedorismo, nesse contexto, funciona menos como expressão de autonomia e mais como estratégia de sobrevivência. É uma resposta criativa à exclusão, mas que opera predominantemente na informalidade e com renda incerta.
A Geração Z das favelas vive, assim, um paradoxo contemporâneo: está mais preparada que qualquer geração anterior, mas continua economicamente marginalizada. É uma juventude que quebrou barreiras históricas na educação, mas ainda luta para quebrar as barreiras do mercado de trabalho.