Essa guerra no Rio de Janeiro é uma coisa muito louca — e antiga.
Esse caos vem sendo anunciado há muito tempo.
Ao mesmo tempo, sempre foi percebido e falado com um certo requinte de romantismo, seja pela imprensa, seja pela sociedade, ao dizer que “os bandidos fazem o que o Estado não faz”.
De certa maneira, isso fez com que essas pessoas assumissem cada vez mais esse papel — e o Estado, de forma mecânica, assumisse cada vez menos o seu.
Podemos falar da culpa da corrupção, da culpa de todo mundo.
O fato é que o crime está avançando em todos os sentidos:
o crime da favela, o crime do asfalto, o crime do mundo corporativo, o crime da evasão de divisas, o crime do mundo político, o crime do colarinho branco. Nenhum deles recua.
Aquela frase que nossas mães diziam — “o crime não compensa” — parece cair em desuso a cada dia.
A desigualdade empurra pessoas — pelo menos uma parte delas — para a delinquência.
Mas isso não significa que toda pessoa pobre vá delinquir.
E nem que a delinquência seja uma perversão exclusiva do pobre.
Do contrário, nenhum rico seria delinquente.
Mas quando você está nas margens da sociedade, sobretudo com necessidades intensas, está mais exposto a isso. É óbvio.
Estamos concluindo uma pesquisa com pessoas do tráfico, justamente para tratar desse tema.
Uma pesquisa feita com eles e que faremos também com policiais, com o título “Seres Humanos” — por menos que pareça, para muitos.
E o que eu estou dizendo não é “passar pano pra bandido”.
Porque policiais morrem, bandidos morrem, famílias choram, filhos ficam órfãos — e os governos mudam.
Eles vão para a tela dizer exatamente o que outros governos já disseram.
É o roteiro de um filme velho.
A diferença é que as vidas que se perdem são novas.
95% das pessoas que vi na minha timeline são pretas.
E provavelmente 70% dos policiais que as mataram também são pretos.
As mesmas mães, que poderiam ser irmãs, são as que agora choram a morte de seus eternos amores.
O pior dessa guerra é que parece que ela nunca vai acabar.
A gente só continua chorando, fazendo mais abraços públicos pra lamentar os mortos.
Agora, em período eleitoral, começa o jogo de empurra:
o governador culpa o ministro, o ministro culpa o presidente, e o presidente devolve pro estado.
É a verdadeira masturbação sem orgasmo.
Eles tocam a música que querem — e nós dançamos de novo, como sempre.
E, no meio disso, a gente já anuncia as próximas mortes.
Mas é bom lembrar:
são os pretos que estão morrendo,
são os pretos que estão matando,
e são as mesmas mães pretas que estão chorando.