Por Carolina França
Regina de Souza Ramos não queria o destino que esperava as meninas de sua comunidade: casar logo depois do ensino médio e ficar por isso mesmo.
Aos 38 anos, a ribeirinha afro-indígena da Comunidade São Sebastião do Saracá transformou essa inquietação em um negócio que hoje distribui biojoias para todos os estados do Brasil.
A Sapopema Biojoias, fundada em 2017, fatura entre R$ 20 e R$ 280 por peça e tem como principais mercados São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
“Eu não queria ter a mesma perspectiva de vida das meninas de lá,” disse Regina. “Essa era uma oportunidade de mudar de vida.”
A empresa trabalha com matérias-primas de regiões como Parintins (AM) e outras localidades amazônicas. Cada peça mistura sementes, fibras naturais e design autoral — uma assinatura que conquistou colecionadores como Inês Alencar, de 42 anos, moradora da comunidade Tumbira, em Iranduba.
Alencar possui 80 colares da marca. “A Regina tem uma capacidade criativa que faz com que ela crie peças diferentes constantemente. E cada peça tem um contexto, uma história, fazendo sempre uma referência à realidade ribeirinha,” disse.
O negócio afeta diretamente seis famílias. Uma delas é a de Nonata da Silva, de 51 anos, que abastece o estoque da Sapopema diretamente da Comunidade São Sebastião do Saracá.
“As encomendas têm um impacto muito positivo no meu negócio. Ela costuma solicitar grandes quantidades de produtos, o que aumenta significativamente o meu volume de produção,” disse Nonata. “Isso gera uma renda melhor e, em alguns momentos, me permite contar com a ajuda de outras pessoas da comunidade.”
Regina realiza uma pesquisa de campo para garantir que nunca falte estoque, especialmente de materiais raros ou abundantes de diferentes regiões. A logística é complexa, mas o resultado compensa: um negócio que prova ser possível empreender na Amazônia sem derrubar árvores.
“Minha marca é a digital da minha comunidade, que é uma das menores da RDS, a menos desenvolvida,” disse Regina. “Através da internet, conseguimos sair e mostrar que é possível empreender em qualquer lugar.”
O nome Sapopema vem de um termo tupi que se refere às raízes aéreas de grandes árvores da floresta amazônica. Para Regina, a escolha não foi casual.
“Sapopema quer dizer raiz tabular, que é a raiz que abraça, que acolhe. É também a raiz que faz sua conexão com a ancestralidade,” explicou. “A semente é como se fosse uma digital da terra: em cada lugar ela se forma de um jeito diferente.”
O plano de Regina é expandir o modelo para outras comunidades. “A ideia é pegar essa característica, pegar o que tem naquele lugar, para poder mostrar que é possível. Chegar naquela comunidade e desenvolvê-la para que seja potente.”
O potencial dos bionegócios amazônicos



O caso da Sapopema reflete um movimento maior na região. Segundo relatório do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, entre 2009 e 2019, o Amazonas registrou crescimento de 170% no volume produzido de produtos florestais não madeireiros, como óleos, fibras, frutos e resinas.
Em Manaus, o Centro de Bionegócios da Amazônia promove a economia verde na região, estimulando o empreendedorismo e a geração de negócios sustentáveis.
“Os bionegócios são a chave para transformar a biodiversidade da Amazônia em oportunidade real para quem vive nela,” disse Marcio Miranda, diretor-geral do CBA. “Geram emprego, renda e inovação com respeito ao meio ambiente.”
Ainda não há números precisos sobre quantas pessoas vivem de bionegócios no Amazonas. Mas cases como o de Regina mostram que é possível transformar a floresta em renda sem destruí-la.
Uma lição que vai muito além das biojoias.