Por Frei David Santos, OFM
A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, aprovada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), representa um marco importante no combate às desigualdades e à promoção dos direitos humanos no continente americano, sobretudo no Brasil. Seu principal objetivo é prevenir, eliminar, proibir e punir todas as formas de discriminação racial e intolerância correlata nos países membros da OEA.
Entretanto, não foi fácil a aprovação desse tratado em nosso país. Isso porque as leis, acordos e tratados internacionais que beneficiam os banqueiros e o capitalismo tendem a ter a preferência do Legislativo e do Executivo, enquanto os atos normativos em prol do povo afro só são promulgados por meio de estratégia e pressão. E com a Convenção Interamericana contra o Racismo não foi diferente.
Apesar de a convenção ser de 2013, ela só passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro em 2022, e foi sancionada por um governo de direita e a portas fechadas. Isso só foi possível porque agimos de maneira estratégica e pressionamos o governo a promulgar essa convenção, que é um divisor de águas para toda a comunidade afro-brasileira.
A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância é uma grande potência a favor do povo afro, do Brasil e de todo o continente americano. No Brasil, esse tratado, por conta das regras da nossa legislação, goza de status constitucional, ou seja, está hierarquicamente acima de leis como o Código Civil, a CLT e outras leis infraconstitucionais. Além disso, por ter status constitucional, essa lei impõe obrigações e deveres ao Estado de forma direta e reforça outras normativas que tratam de questões étnico-raciais, como o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas, por exemplo.
Destaco seis pontos que fazem da Convenção Interamericana um novo instrumento jurídico potente, capaz de trazer fortes conquistas, empoderamento e retornos justos à comunidade afro-brasileira:
- Poder às entidades da sociedade civil: A convenção deu poder às organizações da sociedade civil para se organizarem e fiscalizarem a implementação desse tratado, podendo denunciar à OEA tudo o que estiver em desacordo com suas definições.
- Definição ampla de discriminação racial: Inclui qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica, com o propósito ou efeito de anular ou restringir direitos.
- Reconhecimento do racismo estrutural e institucional: A convenção reconhece que o racismo pode estar enraizado nas instituições e nas práticas estatais e privadas, exigindo políticas públicas proativas para sua erradicação.
- Obrigação dos Estados: Os países signatários se comprometem a adotar medidas legislativas, políticas, educacionais e judiciais para prevenir e punir a discriminação racial.
- Direitos das vítimas: A convenção garante às vítimas o direito à reparação, à proteção e ao acesso à justiça, incluindo medidas de compensação moral e material.
- Educação e sensibilização: Enfatiza a obrigação, por parte do Estado brasileiro, de implementar uma educação de excelência, transformando os alunos em convictos promotores da equidade e combatendo estereótipos discriminatórios.
Infelizmente, embora tenha sido aberta à assinatura em 2013, a convenção ainda enfrenta desafios quanto à ratificação e implementação plena. Alguns países, como o Brasil, ratificaram o tratado e incorporaram seus princípios à Constituição.
O grande objetivo agora, internamente, é conscientizar o povo afro e a população em geral sobre a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, e pressionar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário a seguirem essa norma constitucional.
No Brasil, os desafios são grandes, mas a convenção trouxe um novo renascer para o povo afro-brasileiro, por ser uma lei determinativa e não apenas autorizativa. Ela impõe obrigações ao Estado brasileiro e, portanto, é uma luz de esperança para toda a comunidade que necessita de políticas públicas de reparação e proteção por parte do Estado, além de todas as demais necessidades básicas que a União, os Estados e os Municípios precisam deixar de sonegar. Caso sonegadas, poderemos abrir um processo por improbidade administrativa contra prefeitos, governadores e o presidente da República.
Portanto, a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância é a maior conquista do povo afro-brasileiro desde a Constituição de 1988. Trouxe deveres e obrigações ao Estado em relação às questões étnico-raciais. Nós, da sociedade civil e do movimento negro, devemos organizar seminários em cada município brasileiro para que essa convenção atinja sua máxima eficácia e tire o povo afro da marginalização, garantindo políticas públicas reparatórias à segurança, saúde, educação e tudo o que o Estado possa garantir, conforme previsto na Constituição.