O brasileiro está vivendo um paradoxo financeiro: nunca foi tão fácil conseguir crédito, mas os juros altos fazem qualquer compra parecer uma decisão de investimento de longo prazo.
A Pesquisa de Intenção de Consumo das Famílias da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostrou que 32,6% dos consumidores percebem mais facilidade para obter crédito em junho – o maior patamar desde abril de 2020, quando a pandemia obrigou bancos e governo a abrir as torneiras do dinheiro.
O componente Acesso ao Crédito avançou 2,5% no mês e 2,2% no ano, registrando a quinta alta mensal consecutiva. Para as famílias de menor renda – que ganham até 10 salários mínimos –, o aumento foi de 2,5%. Entre as de maior poder aquisitivo, de 2,8%.
“Observamos uma melhora pontual, mas o consumidor segue atento aos sinais da economia,” disse José Roberto Tadros, presidente do Sistema CNC-Sesc-Senac. A combinação de crédito fácil e juros nas alturas está criando uma geração de consumidores mais cautelosos.
O maior acesso ao crédito tem sido especialmente importante para famílias de menor renda, historicamente excluídas do financiamento bancário tradicional. Com mais opções de empréstimo e financiamento, esse grupo pode finalmente comprar aquela geladeira que vinha adiando há meses ou investir em um curso profissionalizante.
Mas há um porém. A percepção sobre o momento para comprar bens duráveis despencou 7% na comparação anual – a maior queda entre todos os componentes analisados pela pesquisa. É como se o consumidor estivesse olhando para a vitrine da loja e fazendo as contas: “Posso comprar, mas será que vale a pena?”
A resposta, na maioria dos casos, tem sido não.
O dilema fica ainda mais evidente quando se observa o comportamento por gênero. Enquanto os homens registraram queda de 1,8% na intenção de consumo anual, as mulheres tiveram retração menor, de 0,7%. No acesso ao crédito, porém, elas saíram na frente: alta de 3,4% contra 1,5% do público masculino.
“O que vemos é o reflexo dos estímulos contraditórios que o País tem dado,” avalia João Marcelo Costa, economista da CNC. De um lado, mais crédito e perspectivas melhores no emprego. Do outro, inflação, juros altos e endividamento crescente.
O resultado é um consumidor brasileiro cada vez mais estratégico, que planeja compras como um general planeja batalhas. E, por enquanto, a estratégia tem sido esperar por tempos melhores.
A Intenção de Consumo das Famílias cresceu 0,5% em junho – o melhor resultado desde maio de 2024. Mas mesmo com o maior acesso ao crédito em quatro anos, o otimismo ainda não se traduziu em ação.
Talvez porque, no Brasil de 2025, conseguir crédito ficou fácil. O difícil é pagar depois.