Do manejo inteligente do açaí ao cinturão verde de abelhas: a bioeconomia que nasce da floresta

Pará pode adicionar R$ 816 milhões ao PIB com bioeconomia, segundo o World Resources Institute (WRI). Entre as águas que cercam Belém, duas iniciativas distintas compartilham o mesmo propósito: provar, na prática, que a Amazônia pode ser laboratório vivo de soluções sustentáveis, especialmente agora, quando o mundo volta seus olhos para a região com a realização da COP30, em novembro na capital paraense.

De um lado, o Manejatech-Açaí, aplicativo criado pela Embrapa que otimiza o manejo sustentável dos açaizais nativos. De outro, o projeto Mulheres Amigas das Abelhas, que fortalece o protagonismo feminino e a conservação ambiental nas ilhas do Combu e Cotijuba. Juntas, essas experiências revelam que o futuro da bioeconomia amazônica pode florescer da aliança entre ciência, tecnologia e tradição.

Manejatech-Açaí: tecnologia que nasce da pesquisa e volta para a floresta

Desenvolvido pela Embrapa em parceria com instituições públicas e privadas, o Manejatech-Açaí traduz anos de pesquisa em ferramenta simples, gratuita e acessível, capaz de funcionar mesmo sem internet. O aplicativo orienta os manejadores em todas as etapas do Manejo de Mínimo Impacto, técnica que equilibra a produção de frutos com a conservação da biodiversidade.

Com ele, comunidades ribeirinhas podem planejar cortes seletivos, preservar espécies nativas e aumentar a produtividade dos açaizais sem comprometer o equilíbrio da floresta. Segundo Michel Costa, analista da Embrapa e um dos desenvolvedores do aplicativo, a tecnologia tem efeito direto sobre o ambiente e sobre a vida de quem vive dele.

“O Manejatech tem o objetivo de aumentar a produção de frutos de açaí e, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade. Ele fornece recomendações para otimizar a combinação de espécies e preservar o ecossistema de várzea. No aspecto social, ajuda o produtor a fazer a gestão da produção e da comercialização”, explica.

Michel também destaca o potencial de expansão do aplicativo: “O reconhecimento de instituições nacionais e internacionais pode impulsionar a adoção do Manejatech em larga escala. A ferramenta pode, inclusive, abrir caminhos para que o produtor acesse o mercado de carbono, gerando renda tanto com o manejo do açaí quanto com a manutenção da floresta em pé.”

Um estudo da própria Embrapa mostra o tamanho do impacto: a cada R$ 1 investido em pesquisa com o açaí, R$ 47,44 retornam à sociedade.

Do Marajó para o mundo digital: o olhar de quem maneja

Para Afonso Queiroz, engenheiro agrônomo e agricultor no município de Breves, no arquipélago do Marajó, o Manejatech representa revolução silenciosa no campo.

“O produtor consegue acessar o treinamento, seguir as orientações do aplicativo e obter informações que ajudam a manter a biodiversidade, inclusive das abelhas, dentro da propriedade. Isso melhora a qualidade do fruto e a renda do produtor”, afirma.

Afonso conta que começou a manejar o açaí em 2017, quando adquiriu uma área de dois hectares em Breves, onde implantou o manejo sustentável e um sistema agroflorestal. “O app ajuda a identificar as espécies e entender a biodiversidade local. Ele também cria um histórico de produção que facilita o acesso ao crédito, dando segurança aos bancos. Com ele, sabemos quais áreas são mais produtivas e quais precisam de atenção”, explica.

O aplicativo está disponível gratuitamente e pode ser acessado por meio das unidades da Emater ou diretamente com a Embrapa, ampliando o alcance da bioeconomia digital pela Amazônia.

A floresta como vetor de inovação

O estudo do WRI aponta que o Pará pode se tornar o epicentro da bioeconomia amazônica, com potencial para adicionar R$ 816 milhões ao PIB, elevar em R$ 44 milhões a arrecadação fiscal e gerar 6,6 mil empregos.

Para Raul Ventura, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA e pesquisador em desenvolvimento econômico, a Amazônia é exemplo de como é possível aliar produtividade e conservação. “A região mostra que é possível gerar riqueza respeitando os ciclos da biodiversidade. A bioeconomia, baseada em produtos florestais não madeireiros, contrasta com o modelo de monoculturas químicas e mecanizadas que está no centro da crise climática”, analisa.

Ele reforça que o futuro da Amazônia depende da valorização dos saberes locais: “Esses conhecimentos tradicionais precisam ser incorporados a um projeto nacional de desenvolvimento. Transformar conhecimento popular em ciência é o caminho para uma economia que preserve e valorize os biomas brasileiros.”

Hoje, 75% da bioeconomia da Amazônia Legal é produzida no Pará, consolidando o estado como referência nacional no setor.

Mulheres e abelhas: guardiãs do cinturão verde

Enquanto a tecnologia do açaí conecta ciência e floresta, nas ilhas de Combu e Cotijuba floresce outro tipo de inovação, uma que nasce do cuidado e da sabedoria feminina. O projeto Mulheres Amigas das Abelhas, executado pelo Instituto Peabiru com apoio do edital Amazônia Live, instalou 400 caixas de abelhas sem ferrão, fortalecendo a autonomia econômica de mulheres e a polinização das florestas que protegem Belém.

“O projeto tem impacto direto ao trabalhar com grupos de mulheres já inseridas em mercados formais e informais da sociobiodiversidade”, explica Manoel Potiguar, gerente de projetos do Instituto Peabiru. “A meliponicultura permite que elas façam o manejo de forma simples, gerando renda e fortalecendo a economia familiar. Além disso, a renda das mulheres tende a ser reinvestida na família e na comunidade.”

As abelhas sem ferrão são essenciais para a polinização e podem aumentar em até 30% a produtividade de frutas e cultivos familiares. Os meliponários funcionam também como espaços de capacitação e transferência de tecnologia social, promovendo uma cadeia produtiva sustentável e de baixo impacto.

“Com as abelhas, a gente aprende a cuidar da floresta e da própria vida”, diz Maria das Graças Oliveira, moradora de Cotijuba e uma das participantes do projeto. “O mel virou renda, mas também virou orgulho. É como se a floresta trabalhasse com a gente.”

A COP da floresta

Em novembro, Belém sediará a 30ª Conferência das Partes da ONU sobre o Clima (COP30), a primeira realizada na Amazônia. O evento será vitrine global para mostrar que as soluções para a crise climática podem nascer do próprio território amazônico, de experiências que unem saber tradicional, tecnologia e conservação.

Na capital paraense, o recém-inaugurado Parque de Bioeconomia e Inovação da Amazônia reúne pesquisadores, empreendedores e comunidades tradicionais que desenvolvem negócios sustentáveis e fortalecem a economia da floresta, o mesmo espírito que inspira projetos como o Manejatech-Açaí e o Mulheres Amigas das Abelhas.

Essas iniciativas apontam para um modelo de desenvolvimento que mantém a floresta em pé, gera renda local e inspira políticas públicas de baixo carbono, exatamente o tipo de resposta que a COP30 pretende levar ao mundo.

Inovar para permanecer na floresta

Da palma do açaizeiro às asas das abelhas, a Amazônia mostra que o futuro pode ser desenhado com raízes profundas e asas abertas. Enquanto as mulheres das ilhas cuidam de suas colmeias e o Manejatech digitaliza o conhecimento da floresta, uma nova economia se forma: silenciosa, colaborativa e profundamente amazônica. É dessa convergência entre tradição e inovação que nasce a bioeconomia da floresta, uma economia que mantém a vida pulsando dentro e fora dela.

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