Governo prevê inflação menor, mas sinais do mercado sugerem cautela com otimismo

O governo brasileiro reduziu de 4,9% para 4,8% a projeção de inflação para 2025, em movimento que coincide com a primeira deflação mensal em quase um ano. Mas especialistas alertam que o otimismo com os números recentes pode ser prematuro, uma vez que os principais drivers da queda de preços são temporários e sinais de reversão já aparecem no atacado.

A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda justificou a revisão para baixo citando o excesso de oferta mundial de bens — reflexo do tarifaço comercial de Donald Trump —, menor inflação no atacado agropecuário e industrial, e os efeitos defasados do real mais apreciado.

O movimento ocorre após o IPCA registrar deflação de 0,11% em agosto, primeiro resultado negativo desde agosto de 2024. No acumulado de 12 meses, porém, a inflação segue em 5,13%, bem acima do teto da meta de 4,5%.

“É preciso tomar o resultado com otimismo moderado”, alertou André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV IBRE, em artigo publicado no site da instituição. Segundo ele, uma das principais contribuições para a deflação — a queda de 0,41% na energia elétrica residencial — resulta do pagamento do bônus de Itaipu, “um alívio temporário”.

Sinais de reversão no atacado

A cautela se justifica pelos movimentos já observados no Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), que antecipa tendências no varejo. Em agosto, produtos que vinham em deflação inverteram o sinal: café em grão saltou de retração de 22,52% em julho para alta de 1,44%, enquanto bovinos, soja e milho também registraram aumentos.

“Esses movimentos podem antecipar uma queda menor do preço no varejo, ou mesmo aumento de preço”, disse Braz. Para ele, as “portas que os EUA estão fechando para o produto brasileiro” não necessariamente impedirão exportações vigorosas para outros mercados, como os asiáticos.

A deflação de alimentos por três meses consecutivos, que fechou agosto em -0,83%, também pode não receber a ajuda esperada do tarifaço americano. A isenção não se estendeu a produtos como café e carne bovina — justamente aqueles que já mostram sinais de reversão no atacado.

Crescimento revisado para baixo

Paralelamente à inflação, a SPE também reduziu de 2,5% para 2,3% a projeção de crescimento da economia em 2025. A revisão reflete os resultados abaixo do esperado do PIB do segundo trimestre e os efeitos da política monetária restritiva, com juros básicos em 15% ao ano.

“Já se observou redução na expansão interanual das concessões reais de crédito de cerca de 10,5% no trimestre encerrado em dezembro de 2024 para 2,4% no trimestre encerrado em julho”, aponta o boletim da SPE.
A desaceleração atingiu principalmente a indústria de transformação e construção, levando à revisão da projeção industrial de 2% para 1,4%. O único setor com revisão para cima foi o agropecuário, que passou de 7,8% para 8,3%, refletindo maior produção de milho, algodão e abate bovino.

Desafios persistentes

Mesmo com a melhora pontual, a inflação brasileira continua projetada acima do teto da meta para 2025, convergindo para o centro de 3% apenas a partir de 2027. A persistência da alta em serviços — especialmente aqueles indexados como aluguéis e mensalidades escolares, que sobem 6% ao ano — ilustra as pressões estruturais que a política monetária tem dificuldade de conter.

“A inflação de alimentos é menos sensível à política monetária, posto que o elemento que de fato influencia no nível de preços é a oferta”, lembrou Braz, mantendo a projeção de IPCA em torno de 4,7% para 2024.
Para o governo, que inicia o último ano de mandato, a persistência de pressões inflacionárias — especialmente em alimentos — representa um desafio adicional para a popularidade presidencial, num momento em que a economia já mostra sinais de desaquecimento.

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