A taxa média de juros para pessoas físicas atingiu 58,32% ao ano em junho, o maior nível desde maio de 2023, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC). O patamar recorde coincide com um movimento de exclusão: famílias com renda de até 3 salários mínimos foram as únicas que não aumentaram o endividamento em agosto, quebrando uma tendência de crescimento generalizado.
O fenômeno revela uma dinâmica de mercado clara. Enquanto o endividamento geral subiu para 78,8% das famílias brasileiras em agosto, o maior percentual desde novembro de 2022, as famílias de menor renda ficaram de fora dessa expansão. A inadimplência, por sua vez, alcançou 30,4%, recorde da série histórica.
Crédito se torna produto de luxo
Com juros estratosféricos, as instituições financeiras reduziram os prazos de pagamento pelo oitavo mês consecutivo. As dívidas com prazo superior a um ano caíram para 31,0% do total, forçando um endividamento de curto prazo que pressiona ainda mais os orçamentos familiares.
O resultado prático é um mercado de crédito que se concentra nas faixas de renda mais altas. O volume de R$ 143 bilhões em atraso, maior da série histórica, indica que mesmo quem consegue acessar o crédito formal enfrenta dificuldades para honrar os compromissos.
Para as empresas, esse cenário abre duas frentes de oportunidade. De um lado, cresce a demanda por soluções de microcrédito e alternativas de pagamento para a base da pirâmide. De outro, a exclusão sistemática da baixa renda está gerando uma demanda reprimida estimada em milhões de brasileiros, formando um vácuo de mercado que o sistema bancário tradicional não consegue preencher de forma rentável.
Fintechs miram o nicho bilionário
Esse vazio abre espaço para fintechs especializadas em operar com margens comprimidas e processos automatizados. Enquanto bancos tradicionais encarecem o crédito para compensar inadimplência, empresas de tecnologia podem usar algoritmos de risco mais sofisticados, reduzir custos operacionais e oferecer produtos específicos para esse público.
Para investidores, o diferencial competitivo reside na capacidade de processar grandes volumes com baixo custo marginal. Tecnologias como inteligência artificial para análise de crédito, automação de cobrança e parcerias com varejistas permitem operar em escalas que tornam viável atender a base da pirâmide sem comprometer a rentabilidade.
O modelo se torna ainda mais atrativo considerando que o público feminino registrou aumento de 1,9 ponto percentual na inadimplência, sinalizando demanda reprimida por soluções de renegociação e crédito alternativo.
Carnês ganham espaço
A mudança no comportamento do consumidor de baixa renda já aparece nos números. Os carnês avançaram 0,9 ponto percentual na comparação anual, mantendo-se como segunda modalidade de crédito mais utilizada, com 16,8% de participação. O movimento sinaliza uma busca por modalidades menos onerosas e com maior previsibilidade de pagamento.
O cartão de crédito, embora ainda dominante com 84,5% dos endividados, recuou 1,2 ponto percentual no ano. A migração evidencia a busca por alternativas ao sistema bancário e representa uma oportunidade de mercado mensurável para soluções que combinem acessibilidade com sustentabilidade financeira.
A CNC projeta que o endividamento deve continuar avançando nos próximos meses, levando as famílias a ficarem 3,1 pontos percentuais mais endividadas em 2025. Para gestores e investidores, o cenário indica oportunidades em segmentos alternativos de crédito e soluções digitais para renegociação de dívidas.
O desafio está em desenvolver produtos financeiros que atendam uma demanda crescente por crédito acessível, enquanto o sistema bancário tradicional se afasta dessa base de clientes por conta do risco elevado.