“Eu faço minhas festas pra garantir mais uma renda extra, e aqui ninguém precisa de nota”, conta uma empreendedora da Zona Norte de São Paulo. Ela decora eventos, produz docinhos e lembrancinhas, movimenta a economia local e sustenta a família. Mas, aos olhos do mercado formal, não existe.
A informalidade nas favelas brasileiras não é escolha — é estratégia de sobrevivência que se transformou em motor econômico invisível.
Segundo o IBGE, o trabalho informal atinge 27,8% dos territórios de favela, contra 20,5% da média nacional. Os números, porém, contam apenas metade da história. A outra metade está na fala dos 75% de profissionais informais — em sua maioria mulheres com ensino fundamental — que descobriram na criatividade uma saída para a falta de oportunidades.
O paradoxo é cruel: a mesma informalidade que garante a renda impede o crescimento. Sem registro, não há histórico creditício. Sem comprovação de renda, não há acesso a financiamento. Sem formalização, não há currículo que valha no mercado tradicional.
“Aqui sabemos nosso lugar: ocupar o mínimo, viver da criatividade, e quem conseguir ultrapassar essa linha virou doutor e foi embora”, resume um morador. A frase carrega décadas de uma lógica perversa: a informalidade como teto, não como degrau.
O círculo vicioso da invisibilidade
A economia informal das favelas funciona como um ecossistema paralelo. Tem suas próprias regras, redes de confiança e mecanismos de distribuição. A “amiga que indica” substitui o marketing digital. O fiado substitui o cartão de crédito. A reputação no bairro vale mais que um CNPJ.
Mas esse sistema, por mais eficiente que seja localmente, não dialoga com o mundo formal. É como se fossem duas economias que coexistem sem se tocar — uma reconhecida, outra invisível.
O resultado é uma força de trabalho qualificada que não consegue ganhar escala. Segundo o Data Favela, essas mulheres empreendedoras dominam técnicas de gestão, atendimento ao cliente e inovação de produtos. Falta apenas que alguém as ensine a linguagem do mercado formal.
Quando a solução vira problema
A informalidade começou como necessidade e se cristalizou como identidade. “Ou faço ou passo fome” virou “assim que a gente trabalha aqui”. A urgência da sobrevivência não deu tempo para pensar em crescimento estruturado.
Isso criou uma geração de empreendedores que dominam a prática mas desconhecem a teoria. Sabem vender, mas não sabem precificar. Entendem o cliente, mas não entendem o mercado. Inovam por instinto, mas não sabem documentar processos.
A consequência é previsível: negócios que funcionam na favela, mas não conseguem crescer além dela.
A revolução que não aconteceu
As grandes empresas já descobriram o potencial econômico das favelas. Querem investir, querem contratar, querem “conquistar esse mercado de potência”. O problema é que continuam exigindo os mesmos critérios do mercado formal para uma realidade que sempre foi informal.
É como querer medir a temperatura com uma régua. Não funciona porque são métricas incompatíveis.
A mudança precisa começar na base: políticas públicas que reconheçam a informalidade como etapa, não como destino. Programas de capacitação que partam do conhecimento que já existe, em vez de ignorá-lo. Critérios de contratação que valorizem competência, não apenas diploma.
A informalidade nas favelas movimenta bilhões e emprega milhões. Não é um problema a ser resolvido — é uma economia a ser integrada. A questão não é tirar as pessoas da informalidade, mas dar a elas a opção de escolher entre ser formal ou informal.
Porque, no final das contas, quem domina o cliente, entende o mercado e inova na adversidade já tem tudo para ser um grande empresário. Só precisa que alguém acredite nisso.